Isso que é música!: elitismo cultural no Brasil
Palavras-chave:
Elitismo cultural, Gosto musical , Classes sociais , Estilos musicaisResumo
Esta pesquisa teve como objetivo compreender como se dá o pensamento elitista no que concerne o consumo musical no Brasil. Foram entrevistados 15 profissionais da área da música, considerados indivíduos com alto capital cultural no assunto. O artigo completo está disponível em: https://periodicos.uff.br/pca/article/view/50686
É inegável que o Brasil é um país miscigenado musicalmente. A música emerge no interior das comunidades e se revela em outros cenários, representando as diversas práticas culturais. Os significados que surgem dessa manifestação compõem um importante plano de análise para estudos mais apurados no campo da música (GIRALDI; PORTÉRO, 2020). Pesquisas que abordam a complexidade da diversidade musical brasileira são fundamentais para a compreensão de diversas questões ligadas à pluralidade musical, não apenas em relação a produtos musicais, mas também aos conceitos e comportamentos estabelecidos pela música na esfera cultural (QUEIROZ, 2004).
A preferência por gêneros musicais específicos pode expressar identidade a partir da associação a grupos de referência e exclusão de outros que pertencem a outros grupos, frequentemente provocando a segregação de consumidores conforme uma série de variáveis demográficas como idade, gênero, etnia e classe social (ABOLHASANI; OAKES; OAKES, 2017). Sendo assim, uma oportunidade que um indivíduo encontra de manifestar a sua pretensão artística é recusando os cantores queridos pelas classes populares (BOURDIEU, 2007).
Poucos são os estudos acerca do tema elitismo cultural, havendo informações escassas sobre as subjetividades da classe dominante (LJUNGGREN, 2017). De modo a preencher essa lacuna e contribuir com o conhecimento tanto acadêmico quanto gerencial no assunto, esta pesquisa buscou, por meio de entrevistas qualitativas em profundidade com indivíduos com altos níveis de capital cultural específico em música, compreender como se dá o pensamento elitista no que concerne o consumo musical no Brasil. Foram realizadas 15 entrevistas com indivíduos inseridos no contexto da música, seja na docência, na performance ou em ambos os casos. Portanto, pode-se inferir que os entrevistados possuem altos níveis de capital cultural herdado ou adquirido.
Evidenciando a importância do assunto nos dias atuais, destaca-se que, recentemente, o tema preconceito musical veio à tona após a crítica de um produtor musical brasileiro a respeito de uma apresentação em ritmo de funk carioca feita na premiação do Grammy 2021. A cantora norte-americana Cardi B se apresentou no evento com o remix da música 'WAP' feito pelo DJ carioca Pedro Sampaio. Segundo informações publicadas pelo Estadão (2021), em uma rede social, o produtor se referiu à música como “barulho” e disse ter sentido vergonha. Usuários e cantores associados ao funk mostraram descontentamento em relação a esse comentário, alegando que se trata de um pensamento preconceituoso.
A maioria dos entrevistados acredita que os estilos musicais variam de acordo com as classes sociais. Mesmo afirmando que podem haver casos divergentes, eles consideram que, em geral, existem estilos que são mais apreciados por classes superiores e outros que estão mais presentes na vivência das classes sociais inferiores, sendo as preferências musicais fortes indicadores de classe social (COULANGEON, 2005).
Nas classes superiores, alguns estilos mencionados foram o jazz, MPB, ópera, música orquestral, clássica, instrumental e barroca. Pode ser percebida essa separação de estilos na fala da entrevistada 10: “Ah, eu acho algumas músicas, alguns estilos musicais, eles são elitizados assim. [...] É colocado num pedestal como se só quem tivesse um super ouvido, um super conhecimento musical pudesse se afeiçoar ou ouvir aquilo”.
Os estilos fortemente citados como apreciados pelas classes inferiores são o funk, sertanejo universitário, pagode, samba, rap e “músicas chiclete”, que são músicas que estão na moda e são produzidas para ficar na mente do sujeito que a escuta. O funk é o mais citado entre todos os participantes da pesquisa. O entrevistado 15 menciona que “você pode definir o funk como música de gueto, né? Música de classe baixa mesmo é o funk e o pagode também pega muito. [...] São os dois que você vai... tipo, se você for numa favela, você não vai ouvir outra coisa, você vai ouvir isso”.
Os entrevistados foram questionados se acreditam existir pessoas arrogantes ou mesmo esnobes, se considerando mais cultas ou superiores devido ao seu gosto musical ser mais valorizado que o de outras pessoas. Todos os entrevistados concordam plenamente com essa ideia, afirmando existir em peso na sociedade brasileira, como aponta o entrevistado 6: “Essas pessoas se sentem mais importantes por gostarem de um tipo de música que é determinantemente ligado a uma classe social que ganha mais dinheiro, sim”.
O entrevistado número 8 traz alguns termos polêmicos em suas falas, dando exemplos de elitismo cultural. Primeiro, ele aponta a falta de interesse por algo saudável, mencionando o programa Big Brother Brasil e insinuando que esse tipo de conteúdo não agrega valor à vida de quem assiste o reality:
“Então a gente vê que tem mais audiência um Big Brother do que qualquer outra coisa no planeta né (risos). Então, por que que existe esse desinteresse, onde a gente foi levado pra ter desinteresse para algo saudável e que realmente traz algum valor para ser agregado?” (Entrevistado 8).
No segundo caso, ele dá a entender que como o mercado brasileiro foca somente em vendas, o brasileiro nunca conhecerá “música boa”, além de indicar que pessoas que têm o gosto baseado em modismos são pouco racionais:
“Então é difícil para o brasileiro conhecer e ouvir a música boa do Brasil né, na minha opinião. [...] A grande massa vai no que apitar de modismos né, nós somos emotivos, modistas né, pouco racional” (Entrevistado 8).
De acordo com Bourdieu (2007), a exibição da cultura musical não é uma simples ostentação cultural. As pessoas geralmente se afirmam de uma maneira totalmente negativa, recusando outros gostos, demonstrando aversão ou intolerância. Como aponta Ljunggren (2017), é possível perceber uma impressão pública de que pessoas da elite cultural são esnobes, exercendo uma rejeição absoluta daRevista Pensamento Contemporâneo em Administração cultura de massa (PETTERSON, 1992) e não participando de atividades consideradas vulgares ou medianas (LEVINE, 1988), ou seja, do consumo de cultura popular.
Para ler o artigo na íntegra, acesse:
CAMPOS, A. C. et al. Isso que é música: elitismo cultural no Brasil. Revista Pensamento Contemporâneo em Administração, Niterói, v. 15, n. 2, 2021. DOI: https://doi.org/10.12712/rpca.v15i3.50686. Disponível em: https://periodicos.uff.br/pca/article/view/50686. Acesso em: 9 dez. 2021.
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Referências
ABOLHASANI, M.; OAKES, S.; OAKES, H. Music in advertising and consumer identity: The search for Heideggerian authenticity. Marketing Theory, v. 17, n. 4, p. 473-490, 2017. DOI: https://doi.org/10.1177/1470593117692021.
BOURDIEU, P. A distinção: a crítica social do julgamento. Editora Zouk, 2007.
COULANGEON, P. Social Stratification of Musical Tastes: Questioning the Cultural Legitimacy Model. Revue Française de Sociologie, v. 46, p. 123-154, 2005. DOI: DOI : 10.3917/rfs.465.0123.
ESTADÃO. Grammy 2021: Anitta rebate Rick Bonadio após crítica ao funk na premiação. Estadão, 2021. https://emais.estadao.com.br/noticias/gente,grammy-2021-anitta-rebate-rick-bonadio-apos-critica-ao-funk-na-premiacao,70003648444
GIRALDI, F. R. H.; PORTÉRO, C. S. S. Valorização da música dos povos ancestrais por meio da etnomusicologia. RIF - Revista Internacional de Folk comunicação, v. 18, n. 40, p. 112-128, 2020. DOI: https://doi.org/10.5212/RIF.v.18.i40.0007.
LEVINE, L. W. Highbrow/Lowbrow: The Emergence of Cultural Hierarchy in America. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1988.
LJUNGGREN, J. Elitist Egalitarianism: Negotiating Identity in the Norwegian Cultural Elite. Sociology, v. 51, n. 3, p. 559–574, 2017. DOI: https://doi.org/10.1177%2F0038038515590755.
PETERSON, R. A. Understanding audience segmentation: from elite and mass to omnivore and univore. Poetics, v. 21, p. 243–258, 1992. DOI: https://doi.org/10.1016/0304-422X(92)90008-Q.
QUEIROZ, L. R. S. Educação musical e cultura: singularidade e pluralidade cultural no ensino e aprendizagem da música. Revista da ABEM, v. 10, p. 99-107, 2004.
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