Suzanne Briet e a luta pelos direitos das mulheres*

Autores

  • Elisa Cristina Delfini Corrêa Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) - Brasil
  • Daniela Fernanda Assis de Oliveira Spudeit Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) - Brasil

DOI:

https://doi.org/10.60144/v2i.2021.22

Resumo

Reneé-Marie-Helene-Suzanne nasceu em 01 de fevereiro de 1894, em Paris, mas cresceu na região das Ardenas no norte da França. Foi Bibliotecária e documentalista, tendo se tornado famosa por sua contribuição para a área de Biblioteconomia e Ciência da Informação no século passado, conhecida em especial por sua obra publicada em 1951 “O que é a documentação?” (Qu'est-ce que la documentation?) cuja a importância desse legado é inegável, sempre revisitado em análises e estudos até os dias atuais. Contudo, um olhar mais amplo para a vida desta ilustre personagem da história da Ciência da Informação, revela facetas igualmente interessantes que podem tornar Briet uma referência também em outras áreas da vida na sociedade de hoje.

 
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Fonte: Eloi (2020)

Para além de sua brilhante atuação na Biblioteca Nacional da França (BNF) e de sua contribuição para a Ciência da Informação, Briet dedicou-se a vários projetos pioneiros para sua época. Antes de atuar como bibliotecária, lecionou inglês e história entre 1917 a 1920 em uma escola secundária em Annaba, na Argélia, África. Com 25 anos, em 1919 Briet auxiliou na criação da organização não-governamental internacional Zonta, para o reconhecimento dos direitos das mulheres pelo mundo. Mais tarde, tornou-se presidente da União das Mulheres Europeias em que participou de muitas ações em prol da valorização e empoderamento feminino.

Dada a aproximação do dia da mulher neste 08 de março de 2021, queremos destacar a atuação de Briet em sua luta pelos direitos femininos, para que esta nota possa servir de inspiração a todas as pessoas que, ainda hoje, entendem a necessidade e o valor de apoiar as causas feministas.

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Quando Suzanne Briet começou sua carreira na Bibliothèque Nationale com a idade de trinta anos, entrou em um campo que em breve seria reformulado pela convergência de dois movimentos na França - a “biblioteca moderna” movimento e o surgimento da documentação como uma profissão distinta com suas próprias técnicas, padrões e treinamento.

Maack (2003?, p. 721) afirma que, nessa época, a biblioteca era considerada um espaço masculino, o que representou um grande desafio para sua atuação profissional. A autora explica que Briet também testemunhou e participou de uma série de reformas e inovações que eventualmente transformariam a BN de uma instituição limitada por tradições elitistas e um orçamento insuficiente em uma biblioteca nacional com um papel vital de liderança na França.

Briet é considerada uma das pioneiras da feminização da Biblioteconomia na França que, segundo Buckland, ocorreu entre a primeira e segunda guerras mundiais. Segundo o autor (1995, p. 235):

  • Muitas novas ideias estavam sendo introduzidas naquela época, algumas influenciadas pela prática norte-americana e encorajadas pela Escola da Biblioteca de Paris que operou, sob o patrocínio da Associação Americana de Bibliotecas, de 1923 a 1929. Deve ter sido uma experiência interessante, apesar das dificuldades políticas e econômicas e, mais tarde, da Segunda Guerra Mundial.

Ao iniciar seu trabalho na Biblioteca Nacional da França (BNF) em 1924, Suzanne conheceu outras mulheres ilustres para a Ciência da Informação: Louise Noelle Malclès (1899-1977), que cuidava da sala da bibliografia da Sorbonne, Yvonne Odon (1902-1082), responsável pela literatura geográfica para o Biblioteca Nacional e finalmente, Georgette de Grolier (1899-1988). Todas essas mulheres são nomes importantes para o desenvolvimento e consolidação de ações em prol da informação científica na França.

Feminista e ativista, participante do movimento de educação popular, ela acreditava na democratização do acesso à informação para todos e foi isso que norteou sua vida profissional. Além de atuar ativamente na Union française des organismes de documentation (UFOD), foi membro da Bureau Bibliographique de France (BFF) e Association pour le developpment de la Lecture Publique (ADLP).

Assim que ingressou na BNF, Suzanne Briet já pôde sentir os primeiros sinais do enfrentamento masculino em oposição à presença feminina no trabalho na biblioteca. Ao retomar a história e o legado de Briet na BNF, Maack comenta que Roland-Marcel tinha ambiciosos planos de modernizar a biblioteca por meio da criação de sua legislação e sua revitalização financeira e, para isso, era necessário recrutar pessoal que o acompanhasse nessa visão. Maack nos conta que Roland-Marcel estava ansioso para contratar Suzanne Briet quando soube que ela obteve o primeiro lugar no exame nacional de certificação para bibliotecários e tinha sido altamente recomendado por seus professores:

 
  • Depois de entrevistá-la, Roland-Marcel escreveu ao ministro de instrução pública e artes finas em julho de 1924 e solicitou autorização para contratar imediatamente a Mlle. Briet, pois acreditava que ela seria um membro valioso dentre o seu pessoal, porque falava inglês fluentemente, tinha conhecimento prático e um excelente intelecto. Embora Roland-Marcel tenha concordado em aguardar a aprovação da legislação sobre a BN antes de nomear uma nova equipe, ele seguiu em frente com a nomeação de Briet “como um caso excepcional” (ROLAND-MARCEL, 1924)

A força da resistência masculina ao trabalho feminino na biblioteca fica comprovada no texto de Maack (2004) quando afirma que:

 
  • A única referência direta de Briet a Roland-Marcel em suas memórias um incidente no início de sua carreira, quando ela era uma das apenas três mulheres em sua equipe profissional. Ela observa que o administrador geral “teve a honra” de trazer à sua atenção uma moção apresentada a ele pelos delegados de um clube informal (amicale) de funcionários do sexo masculino pedindo que o número de mulheres bibliotecárias seja limitado. O pedido foi motivado pelo fato de ter sido uma mulher promovida a uma posição gerencial (conservadora-adjunta) e que ela não teria autoridade sobre seus colegas ou subordinados.

Maack diz em seu artigo que Roland-Marcel então confessou-lhe que a atitude desses delegados foi-lhe tão desagradável que ele pretendia tomar um rumo oposto de ação (Briet, 1976, Amicales, p. 14). Merece destaque o desempenho de Roland-Marcel que, durante os seis anos em que dirigiu a biblioteca, conseguiu nomear outras profissionais do gênero feminino, apesar de ter poucas linhas salariais disponíveis.

Embora nem todos os bibliotecários masculinos fossem hostis à nomeação de mulheres, E. G. Ledos, que liderou o departamento de catalogação, reconheceu que havia considerável ceticismo e ambivalência sobre o crescimento do “elemento feminino” na equipe profissional (MAACK, 2003?, p. 723).

Ledos escreveu em 1936: “Embora a carreira da [biblioteca] tenha sido aberta a mulheres no exterior por muito tempo, a França resistiu bastante à essa ideia, e não havia uma clara apreensão sobre o que resultaria dessa experiência. Por sua inteligência, produtividade e comprometimento, as duas primeiras mulheres que foram designadas para o Catálogo Geral [...] dissiparam todos esses medos e causaram preconceitos silenciosos” (op.cit.,p. 243).

Assim, por meio de seu trabalho como bibliotecária, Briet pôde desenvolver sua liderança no movimento feminino dentro e fora da BNF, numa época onde a atuação feminina em instituições importantes como esta ainda eram muito raras. Briet acreditava no controle da informação por todos e na democratização do acesso de todos à informação. Toda a sua vida profissional foi orientada para esse ideal.

Briet fez parte de um seleto time de mulheres que abriram caminhos para que a figura feminina ingressasse em grandes instituições nacionais não apenas na França, onde outras personagens femininas também se destacaram, mas também nos Estados Unidos da América, onde o nome de Margaret Mann recebe destaque na biblioteca da Sociedade de Engenharia, em Nova Iorque.

Para que pudessem assumir seu espaço no mundo de trabalho da época, tanto Briet quanto suas colegas francesas precisaram agir de forma estratégica e política. Isso só foi possível porque as mulheres permaneceram unidas nesse propósito, mas também pela arte de conquistar aliados, inclusive do gênero masculino, nas instituições em que trabalhavam. Dessa forma, puderam construir carreiras de sucesso numa Biblioteconomia até então dominada pelos homens. Essas mulheres, bibliotecárias e produtoras intelectuais, evoluíram em contextos particulares, sendo que as francesas enfrentaram maior resistência que as norte americanas, embora a discriminação hierárquica e territorial fosse comum aos dois países.

Briet expandiu sua atuação em favor dos direitos das mulheres participando ativamente na criação da organização não governamental internacional Zonta para o reconhecimento das mulheres no mundo, em atuação até dos dias de hoje. Na década de 1950, criou e assumiu a presidência da l’Union des femmes européennes (União das Mulheres Europeias). Esse legado deixado ao movimento feminino ecoa em nossa sociedade contemporânea: ambas as instituições permanecem ativas e ainda muito necessárias.

Entrevistada por Renée Lemaître e Mary Maack nos anos 80, Suzanne Briet confessa sua dificuldade em conseguir expor sua trajetória como feminista, pois sua luta era tanto proativa quanto discreta, fruto de uma educação que lhe ensinou a ser reservada e modesta. Mulheres intelectuais e de atitude ainda não eram admitidas nos anos 1920-1930: "Suzanne Briet não teve medo de agir, mas estava com medo de ser mal julgada por ousar agir, ela, uma mulher, frente a frente com os homens que não sabiam empreender”.

A atuação feminista de Briet é inspiradora e ainda necessária atualmente. Os direitos conquistados pelas mulheres permanecem ameaçados pela cultura machista que persiste no século XXI. Conquistar seu espaço na Biblioteca e Documentação francesas demandou grandes esforços e a fez enfrentar constantes resistências as suas ideias inovadoras, levando-a a sua aposentadoria precoce.

Buckland, autor cujos textos trouxeram de volta o reconhecimento de Briet para a Ciência da Informação, afirma que “é inconcebível que uma das melhores teóricas francesas da ciência e da sociedade da informação tenha sido totalmente negligenciada na França. Espero sinceramente que seu trabalho seja reconhecido e estudado na França. Suzanne Briet merece ser lembrada." (RAUZIER, 2006, não paginado).

Concordamos com Buckland em número, gênero e grau mas, principalmente em gênero!

 

* Esta nota traz trechos do artigo publicado na Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação – RBBD, v.14, número especial sobre Suzanne Briet como produto científico de evento realizado na Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC, no ano de 2018:

CORRÊA, E. C. D.; SPUDEIT, D. F. A. de O. O legado de Suzanne Briet: vida e obra além da documentação. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, São Paulo, v. 14, p. 24-40, jul. 2018. ISSN 1980-6949. Disponível em: https://rbbd.febab.org.br/rbbd/article/view/1184/1062. Acesso em: 03 mar. 2021.

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Referências

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ELOI, C. Briet, Suzanne, Paris, 1er février 1894 – Paris, 13 février 1989. In. ANTONUTTI, I. Figures de bibliothécaires. Paris: Presses de l’enssib, 2020. DOI: https://doi.org/10.4000/books.pressesenssib.12942. Disponível em: https://books.openedition.org/pressesenssib/12942. Acesso em: 2 mar. 2021.

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MAACK, M. N. The Lady and the Antelope: Suzanne Briet’s Contribution to the French Documentation Movement . Library Trends, [S. l.], v. 52, n. 4, p. 719-747, sping. 2004. Disponível em: https://www.ideals.illinois.edu/bitstream/handle/2142/1704/Maack719747.pdf. Acesso em: 2 mar. 2021.

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RAUZIER, J. M. Actualité de Suzanne Briet. Documentaliste-Sciences de l’information, [S. l.], v. 43, n. 3-4, sep./oct. 2006. editorial In: Savoir CDI. Disponível em:

https://www.reseau-canope.fr/savoirscdi/societe-de-linformation/le-monde-du-livre-et-de-la-presse/histoire-du-livre-et-de-la-documentation/biographies/suzanne-briet.html. Acesso em: 2 mar. 2021.

ROLAND-MARCEL, P. Letter to the Ministre de l’Instruction Publique et des Beaux-Arts, July 12. Suzanne Briet, Dossier de Personnel, Archives de la Bibliothèque Nationale, Paris,

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Publicado

2021-03-05

Como Citar

Corrêa, E. C. D. ., & Spudeit, D. F. A. de O. (2021). Suzanne Briet e a luta pelos direitos das mulheres*. Ciência Da Informação Express, 2, 1–8. https://doi.org/10.60144/v2i.2021.22

Edição

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Biografia

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